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sábado, 29 de julho de 2023

Empatia - Tessituras

“Se não quisermos permitir que o mundo mergulhe no caos, devemos libertar o amor preso no coração de todos os seres humanos.” – Nikos Kazantzakis.

A vida é música contínua, tessituras de forças e ritmos invisíveis que impulsionam as criaturas e suas ímpares jornadas rumo à evolução e à felicidade.

Por isso, sem amor e altruísmo a existência se decompõe e estiola e, desse modo, passamos a viver aterrorizados de olhar para dentro e, sem contato interior, teremos certamente pobres referenciais para compor a própria biografia e desfrutar de um apoio externo mais adequado às nossas necessidades evolutivas. 

Mas de uma maneira muito clara, ainda que muitos duvidem, a evolução remete necessariamente à espiritualização, o que, por sua vez, significa para a humanidade atual o surgimento gradativo de um novo “tipo humano”. Logo, indivíduos mais percucientes, intuitivos, sensíveis, cooperativos e, em consequência, menos rudes, obtusos, egoístas, competitivos ou indiferentes. Ou seja: o ser humano peculiar a este milênio está, e estará, a elaborar seu registro biográfico principalmente por meio de comportamentos e atitudes que revelam Deus de forma muito mais efetiva.

E se por enquanto, conforme a antropologia e a psicologia mostraram, os humanos tendem a tratar os “de fora” pior do que os membros do seu próprio grupo, porque, segundo Eibe-Eiberfeldt (1989), a socialidade afiliativa (laços de pertença ao grupo) que governa as relações grupais humanas decresce à medida que o grupo aumenta (1), vivemos agora num mundo em que as questões emocionais e os dramas éticos estão globalizados e, no geral, isso demonstra que a situação da humanidade modificou bastante o cenário evolutivo dos milênios anteriores.

Assim, embora continuemos a escolher pertencer a pequenos grupos e as nossas tendências altruístas se inclinem a beneficiar em primeiro lugar os nossos familiares e, na sequência, o nosso grupo, para somente então a comunidade, os movimentos de solidariedade coletiva a que assistimos com frequência nos diversos locais do mundo, a reflexão contemporânea sobre o inexorável direito aos direitos, os dilemas socioambientais refletem felizmente a presença de uma compreensão mais compassiva, mais alargada, acerca do sentido coletivo da vida. Por sua vez, isso nos serve desde já de base cognitiva excelente para articular e eleger ações cooperativas como soluções para os problemas e desafios que desagregam a nossa Casa comum.

De outro lado, mesmo que no cenário global ainda o vínculo moral e afetivo seja frágil, as pessoas buscam cada vez mais estender sua capacidade de empatia ao conjunto do planeta.  
Assim, caso concordemos com o biólogo e pesquisador holandês, Frans de Waal, quando ele afirma que “os humanos são ricos de tendências sociais”, creio que começamos de fato a perceber nas relações humanas a presença cada vez mais dominante de altruísmo, bondade, ou seja, de comportamentos de cooperação, respeito, solidariedade. E isto em silêncio avisa que “existe outro mundo, que é este aqui”...

Com isso naturalmente podemos pressentir que estamos diante de um modus vivendi cujas tendências altruístas são espontaneamente aptas a transcender os muros de nossa casa individual para abarcar e afetar, positivamente, a comunidade mais alargada, pois através de conquistas evolutivas (biológicas e sociais) estamos no tempo de agora mais cientes de que nosso futuro comum depende, enquanto experiência de significado, da realidade que nos pertence como seres-em-relação.

Não é preciso dispender muito esforço para que notemos o quanto a compaixão, por exemplo, é uma emoção fundamental para nossa sanidade mental, especialmente para quem vive ilhado nas grandes cidades e seus (nossos) entulhos de miséria – uma financiadora cruel da violência e da intolerância.

E, sobretudo em dezembro, quando nos abrimos ao céu luminoso da Natividade e mesmo às promessas plurais para o novo ano, creio que pressentimos que estar consciente hoje em dia quer dizer estar consciente dos pensamentos que se pensam, das emoções que se sentem e das ações que se executam, ou seja, exercitar com gentileza e perseverança cotas cotidianas de amor, bondade, altruísmo, respeito, compaixão, pois são elas que nos ajudarão a valorizar nosso viver e o mundo de relações em que nos movemos.

Apenas porque ser amoroso vale a pena, são o amor e os ritmos emocionais e éticos a ele agregados que abrem a perspectiva de um entendimento muito mais profundo e suscetível à empatia e à indulgência entre seres humanos. E, ao fazer isso, ao menos sentimos, e de verdade, que estamos a viver nossa vida bem e que de fato temos uma conexão efetiva com uma Ordem maior de significado – um canal com Deus: Ele que atravessa, por amor, a história e insufla vida à alma individual e ao conjunto do planeta e dos mundos, naturalmente solidários.

(1) Trabalhos recentes revelam que o grupo humano natural inclina-se a ser aproximadamente de 100 a 150 indivíduos; e, acima desse número, o anonimato tende a se estabelecer. E também, no ser humano, os comportamentos positivos, baseados na empatia, são extremamente precoces (Montagner, 1988).

Eugênia Pickina – Tessituras – O Consolador – Nº 347 – 26/01/2014

Referências:

Eiber-Eiberfeldt, I. Human ethology. NY: A de Gruyter, 1989.

Montagner, H. L’áttachement. Les débuts de la tendresse. Paris: Odile Jacob, 1988.

Waal, F de. Primates and philosophers. How morality evolved. Princeton: Princeton University Press, 2006.


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